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segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Bioengenharia de tecidos: o futuro dos transplantes?


Na semana passada foi realizado nos Estados Unidos um transplante de vaso sanguíneo “fabricado” com técnicas de bioengenharia e células-tronco, pelos cientistas Breuer e Shinoka. O paciente é um bebê que nasceu com um único ventrículo, um grave defeito cardíaco que atinge cerca de 3000 crianças por ano nos Estados Unidos. Esse defeito faz com que o sangue rico de oxigênio que vem do pulmão e o sangue sem oxigênio que volta das veias se misture de modo incorreto causando uma síndrome denominada “síndrome do bebê azul”. Se não houver intervenção cirúrgica , 70% das crianças que nascem com esse defeito morrem no primeiro ano de vida. É a primeira vez que esse implante, resultante de técnicas de bioengenharia, é realizado nos Estados Unidos, dez anos depois de ter sido feito no Japão comenta Elie Dolgin na revista Nature Medicine (vol 17:9, setembro de 2011). Por que tanta demora e o que aprendemos durante esse tempo, discute ele nesse artigo que vou reproduzir em parte.

A ideia de se fabricar válvulas cardíacas com bio-engenharia não é nova

Esse transplante é resultado de anos de pesquisas. Em 1995 o pesquisador americano Breuer – juntamente com seu colega japonês Shinoka- publicaram o primeiro experimento com tecido “bio engendrado” que foi implantado em um carneiro. Ao invés de usar válvulas mecânicas ou retiradas de cadáveres, eles queriam criar uma “válvula viva” que pudesse responder a estímulos fisiológicos e ao crescimento da criança submetida ao implante do mesmo modo que uma válvula natural. Para isso usaram um molde com um material biodegradável juntamente com células do próprio animal (células endoteliais e fibroblastos ou células da pele). Implantaram essas válvulas com tecido “bio-engendrado ( do inglês bio engineered) em alguns carneiros e mostraram que a estratégia funcionava. Mas os dois pesquisadores se separaram e a pesquisa foi interrompida.

O primeiro implante humano foi realizado no Japão há mais de 10 anos

Em 1999, Shinoka fez o primeiro experimento em uma menina japonesa de 4 anos que tinha um defeito congênito no ventrículo. O cientista retirou um pequeno fragmento da veia da perna da menina, cultivou as células por dez dias e obteve milhões de células que foram colocadas sobre um molde biodegradável e em seguida implantado. Sete meses depois do procedimento a menina estava bem ,sem sinais de complicações, o que o animou a repetir esse experimento em mais duas crianças. Logo em seguida Shinoka mudou a estratégia. Ao invés de cultivar as células por dias, resolveu usar células-tronco da medula óssea do próprio paciente. As células eram aspiradas na manhã da cirurgia e por meio de centrifugação eram separadas milhões de células – responsáveis pela formação de vasos sanguíneos- que eram colocadas diretamente sobre moldes biodegradáveis com formato tubular. Depois de algumas horas de incubação os moldes com células-tronco eram implantados. Entre 2001 e 2004, Shinoka tratou 25 pessoas- que tinham entre 1 e 24 anos- usando essa estratégia. Quatro desses pacientes tiveram estenose (ou estreitamento do vaso) mas o problema foi resolvido e eles estão bem. Por que isso aconteceu ainda é uma incógnita mas de acordo com Shinoka isso demonstra que os resultados do Japão não são perfeitos.

Por que a demora para permitir o primeiro caso nos estados Unidos?

Os pesquisadores que acabam de divulgar o primeiro implante realizado nos EUA, submeteram o protocolo ao FDA ( a agência reguladora Food and Drug Administration) em 2009, exatamente dois anos antes de terem a solicitação aprovada. Para poder ter essa permissão eles tiveram que testar antes o potencial de vasos sanguíneos resultantes de técnica de bio-engenharia em carneiros, usar modelos de camundongos para testar o papel do sistema imune no remodelamento vascular e pesquisar como as células ao redor do implante recobriam o molde para originar um novo vaso sanguíneo. Foi uma quantidade enorme de trabalho, mas valeu a pena, pondera Breuer. Segundo ele, isso permitirá que a próxima etapa seja mais robusta e segura e que forneça mais informações úteis do que nenhum experimento cardiovascular com tecido “bio- engendrado” já realizado em qualquer outro lugar do mundo.

O futuro já começou?

Trata-se de uma iniciativa muito importante. Já falei em outras ocasiões que no futuro, ao invés de recebermos órgãos transplantados, poderemos “consertar” os nossos. Eles serão recondicionados ou terão partes substituídas de modo a funcionar como se fossem novos. O experimento realizado por Breuer e Shinoka, relatado pelo jornalista Elie Dolgin mostra que o futuro já começou.

Por Mayana Zatz - Revista Veja 

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